quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

Apontamento


A minha alma partiu-se como um vaso vazio.
Caiu pela escada excessivamente abaixo.
Caiu das mãos da criada descuidada.
Caiu, fez-se em mais pedaços do que havia loiça no vaso.
Asneira? Impossível? Sei lá!

Tenho mais sensações do que tinha quando me sentia eu.
Sou um espalhamento de cacos sobre um capacho por sacudir.
Fiz barulho na queda como um vaso que se partia.
Os deuses que há debruçam-se do parapeito da escada.
E fitam os cacos que a criada deles fez de mim.

Não se zanguem com ela.
São tolerantes com ela.
O que era eu um vaso vazio?

Olham os cacos absurdamente conscientes,
Mas conscientes de si mesmos, não conscientes deles.
Olham e sorriem.
Sorriem tolerantes à criada involuntária.

Alastra a grande escadaria atapetada de estrelas.
Um caco brilha, virado do exterior lustroso, entre os astros.
A minha obra? A minha alma principal? A minha vida?
Um caco.
E os deuses olham-o especialmente, pois não sabem por que ficou ali.


*Álvaro de Campos*

5 comentários:

Ricardo Rayol disse...

a vida é um eterno despedaçar e colar de cacos

Anônimo disse...

See HERE

Éverton Vidal Azevedo disse...

'Pessoa' é demais...
Gostei do blog, passarei mais vezes por aqui.
Abç.

LEONARDO SARMENTO disse...

Foi nos dado a oportunidade da administração de nossas vidas, vasos são partidos, vasos são colados, são esvaziados... Não deve ser atoa, que são feitos de material tão frágil e pueril, pois se fossem inquebráveis não envelheceriam com a mesma beleza e dignidade, não saberiamos que as coisas se quebram e que a vida tem um belo começo e um melancólico fim...

Anônimo disse...

Attention please!
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